7 coisas levadas muito a sério pelas pessoas
por Juba Ruiva para o Puxa Cachorra
A pobreza do Haiti, a falta de neve nas montanhas dos Estado Unidos, a guerra civil no Congo e o salário astronômico dos políticos (em relação a suas tarefas e suas qualificações) são problemas de verdade, daqueles com os quais temos (ou teríamos) que nos importar e pelos quais devemos (ou deveríamos) brigar. Há outras coisas que só servem para puxar assunto no táxi, na fila do banco, na manicure, mas que as pessoas levam muito a sério, como se estivessem na pauta da reunião da ONU.
#7 Novela
Outro dia deu num portal uma matéria que criticava a falta de realismo do personagem do Dalton Vigh na novela Fina Estampa. A matéria trazia a entrevista com chefs de cozinha que diziam “nada daquilo é verdade! A gente trabalha demais e nunca faz pratos personalizados para a família no café da manhã!”.
as2metades.blogspot.com
Desculpa, era só o que eu tinha na dispensa.
Pensei “meu deus, essas são as únicas pessoas realmente preocupadas em ‘desmistificar’ a profissão”. Todo mundo sabe que novela é de mentirinha, que 80% da população não tem empregada, e que o Dalton Vigh não se apaixonaria pelo Pereirão na vida real. Amigos chefs de cozinha, se as pessoas quisessem realidade, seriam voluntárias para pegar o metrô Brás às 7h da manhã.
# 6 Michel Teló
Faz umas três semanas que não se fala em outra coisa no Brasil. E entre as comunidades brasileiras fora do Brasil. Há os que se divertem, os que se empolgam e os fãs do Marcelo Camelo que fazem o coro “ai-que-horror- onde-já-se-viu-uma-música-vulgar-dessas-fazer-sucesso”.
Como se até então os sucessos musicais fossem temas com inspirações em Villa-Lobos. Aposto que em 10 anos esse povo vai colocar seus óculos de acetato e correr para a Chopperia Liberdade esguelar a canção nos microfones do karaokê, logo depois de Alma Gêmea, do Fabio Junior, e Fogo e Paixão, do Wando.
tribunadonorte.com.br
Se você já jogou uma calcinha, dê uma risadinha.
Aí eles se justificam “mas uma melodia tão simples e uma letra tão banal”... Se fosse assim, várias bandas incríveis seriam consideradas horrendas.
#5 Feiras de tecnologia
Mais uma de um desses portais de notícias – o cara, um jornalista bem conhecido, dizia que em uma dessas feiras famosas de tecnologia metade das coisas apresentadas nunca eram trazidas para o mercado, dava até alguns exemplos de anos anteriores.
É um dado interessante como informação pra, sei lá, você contestar alguém na mesa do bar quando o assunto acabar e você ainda tiver fígado pra continuar bebendo. Mas a lógica é a mesma da das novelas: todo mundo sabe que boa parte do que está lá é de mentirinha.
oglobo.globo.com
E a noite ela vira um Transformer e salva o planeta Terra.
Em 2002, eu lembro que anunciaram uma geladeira conectada à internet. Na teoria, ela controlava o consumo do morador e, quando necessário, fazia a comanda do produto na quantidade certa diretamente ao supermercado. Ou algo assim. Eu não conheço uma pessoa que tenha a tal da geladeira. Mas é divertido pensar que no futuro isso possa acontecer. Divertido e talvez um pouco preocupante.
#4 Violência nos videogames
Nos anos 1970 e 1980, Ozzy Osbourne, Kiss e Judas Priest eram os culpados por todas as mazelas da humanidade. Agora são os videogames violentos. Não estou defendendo que amanhã devemos presentear todas as crianças com Call of Duty. Mas tenho minhas dúvidas de que ele plante a semente de ódio no coração de gente que faz loucura por ai.
Além disso, o povo fala como se a humanidade inteira fosse um ninho de paz e se os videogames tivessem inventado a violência. Na Roma Antiga, o pessoal se divertia indo para a ver cara ser estraçalhado por leões famintos. E Na Idade Média, a forca era a balada do momento.
omuroeoutraspgs.blogspot.com
Até o terceiro enforcamento, mulher entra na faixa.
Se os videogames influenciassem tanto a vida das pessoas, eu teria passado a adolescência de macacão vermelho, comendo cogumelos e acreditando que isso me ajudaria a resgatar uma princesa. E hoje estaria em uma fazenda jogando passarinhos em cima de porcos ladrões de ovos.
#3 “O primeiro mundo”
Pegue uma das frases: “Nos Estados Unidos...” ou “Na Europa...”
junte a uma das seguintes: “...tudo funciona.” “... não tem um papel de bala jogado no chão.” “... é uma maravilha.” “... esses caras já estariam presos.” “... não há essa música lixo.”
Os países “desenvolvidos” são divinos em muitos, muitos aspectos. Mas não dá pra dizer que “tudo funciona” e que “na Europa não tem um papel de bala no chão” a menos que a pessoa tenha ido para uma vila de 200 habitantes.
traveladventures.org
Alguém me disse “pelo menos, eles não têm Michel Teló”. Mas ouvem sem parar Paradise, do Coldplay, e Someone Like You, da Adele.
#2 Comentários imbecis na internet
A receita é: um assunto polêmico + um espaço para comentários = um bando de gente vomitando seu ódio sem pensar por um segundo no que elas realmente estão falando.
sinesiopontes.wordpress.com
Segurar o porrete e digitar nem sempre é fácil.
Receita certeira é falar de qualquer coisa envolvendo gays. Casamento gay. Adoção de crianças por casais gays. Plano de saúde compartilhado entre parceiros e assim por diante. Em 100% das vezes tem uma pessoa que comenta que “os gays querem ter mais direito do que todo mundo”. Sempre tem as pessoas que xingam, as pessoas que apoiam e o ser humano que, pacientemente, tenta explicar que o que se propõe é a igualdade dos direitos blablabla. O tipo de pessoa que faz esse comentário nem pensa no que está falando. Porque se pensasse um tantinho, veria que é um tanto besteira. Infelismente a peçoas q desconhessem noventa e sinco porsento do ceu sélebro.
#1 A internet como o obstáculo entre os “jovens” e a leitura/cultura/arte
Quando eu era pequena, a televisão era a praga para a cultura dos “jovens”. Hoje é a internet. “Os jovens ficam vendo porcarias na televisão / na internet e não lêem mais.”
Os “jovens” não lêem mais por outros milhões de motivos. Além das razões clássicas (que todo mundo conhece e não vou citar aqui), estou convencida de que se não fossemos obrigado a ler José de Alencar e Camilo Castelo Branco na escola, haveria um tanto mais de gente interessada em literatura.
comunidade.jangadeiroonline.com.br
E o fato de as pessoas passarem menos tempo em frente à televisão ou à internet não significa que elas serão melhores leitores. Meu avô se ocupava por horas e horas fumar seu cigarro e coçar sua careca sentado placidamente em sua cadeira. Nada de internet, nada de televisão, e ainda assim, a única coisa que ele lia era a Bíblia e o folheto da missa. (Em sua defesa, devo dizer que ele era ótimo músico.)












