'Nunca imaginei conseguir perdoar quem tentou me matar'

Immaculée Ilibagiza, sobrevivente do genocídio em Ruanda, durante palestra sobre o livro "Sobrevivi para Contar" no teatro Tuca, São Paulo
Immaculée Ilibagiza: seu sobrenome significa 'bela e brilhante de corpo e alma' (Aline Lata)
"O pior mesmo era não saber o que viria amanhã. A dor no espírito é que me fazia mal. A imaginação fértil de como teriam matado meus pais e irmãos e poderiam me matar a qualquer momento. O sentimento de que a morte podia chegar a qualquer momento. De não estar em paz em um só minuto."
Um dos menores e mais pobres países da África, Ruanda já esteve entre os mais densamente povoados do continente. Lá, cada membro de uma família tinha sobrenome diferente, que refletia os sentimentos do pai e da mãe ao ver pela primeira vez o bebê. Na língua nativa, kinyarwanda, o de Immaculée Ilibagiza significa "bela e brilhante de corpo e alma". Nascida em 1972, em Kibuye, uma província da Ruanda Ocidental, Immaculée era filha de católicos fervorosos, que faziam de tudo para poupá-la das mazelas do mundo. Por isso, até entrar para a escola, não tinha consciência de que as pessoas pertenciam a grupos e raças diferentes. Jamais havia escutado palavras como tutsi, hutu e twas - as tribos que povoavam sua aldeia, Mataba, e todo o país. A maioria era hutu, uma minoria, tutsi, e um número insignificante, twas. Só mais tarde ela compreendeu que os colonizadores alemães - e depois os belgas, que os substituíram - tinham convertido a estrutura social local. A antiga monarquia de reis tutsis, que por séculos zelou pela paz e harmonia, tornara-se um sistema discriminatório de classes. Mas na casa de Immaculée era diferente. Qualquer um era bem-vindo, independentemente de raça, religião ou tribo. Afinal, hutus e tutsis falavam o mesmo idioma e tinham toda uma história em comum. As culturas também tinham muitos pontos em comum: cantavam as mesmas canções, cultivavam a mesma terra, frequentavam as mesmas igrejas e cultuavam o mesmo Deus. Viviam nas mesmas aldeias, ruas e, ocasionalmente, nas mesmas casas. Até que, na década de 1990, essa convivência pacífica foi destruída.
Immaculée Ilibagiza era da tribo tutsi e tinha 22 anos quando sobreviveu a um massacre de proporções que ninguém podia prever (relembre o genocídio de 1994 no quadro abaixo). Em plena comemoração da Páscoa, ela passava férias na casa dos pais e viu dali sua família se separar para sempre. Vizinhos, colegas de escola e até amigos próximos hutus se transformaram em caçadores, treinados para matar a qualquer custo e torturar todos os tutsis que encontrassem pela frente. Assim, conflitos étnicos ancestrais culminaram em um verdadeiro holocausto que deixou quase de 1 milhão de mortos, em ataques de violência brutal. A mãe de Immaculée, Rose, foi uma das primeiras a morrer. Ela estava escondida no quintal de uma vizinha quando percebeu que alguém seria morto ali perto. Pensando se tratar de um de seus filhos, saiu pela rua gritando: "Não matem Damascene". Mas ele não era a vítima, e ela passou a ser perseguida. Disseram-lhe que se desse dinheiro, a deixariam em paz. Ela concordou e foi pedir ajuda a uma amiga hutu, que não só a expulsou como pediu aos assassinos que a matassem na rua para que não sujassem seu quintal. Outros familiares de Immaculée também foram alvo de traição. Seu pai, por exemplo, foi pedir ajuda a um funcionário do governo - que ele acreditava ainda ser seu amigo - para um local onde milhares de refugiados não comiam havia dias. O hutu, porém, chamou-o de idiota e mandou os soldados arrastá-lo para fora. Foi fuzilado. Dos três irmãos, apenas um sobreviveu, Aimable, que estava estudando no Senegal.

Esconderijo e fuga - Immaculée conseguiu asilo na casa de um generoso pastor hutu. Para se esconder, compartilhou um pequeno banheiro de 1,5 por 1 metro com outras sete mulheres. Elas se comunicavam em silêncio, por sinais, e mal conseguiam se mover. Dali, escutava transmissões de rádio em que as próprias autoridades do governo declaravam: "Quando todos os tutsis estiverem mortos, vai ser como se nunca tivessem existido". Depois de seus pais e irmãos, Immaculée seria a próxima vítima. "Eram muitas vozes, muitos assassinos. Eu podia vê-los com os olhos da mente: meus amigos e vizinhos, que sempre me haviam recebido com amor e bondade, andavam pela casa munidos de lanças e facões e chamavam por meu nome", recorda ela, que conta detalhes de como conseguiu se salvar no livro Sobrevivi para Contar (Editora Fontanar), escrito em parceria com o jornalista americano Steve Erwin e traduzido para 27 idiomas.
Hoje, vive nos Estados Unidos com o marido e os dois filhos, e direciona seus esforços à organização que criou, Fundação Ilibagiza, para amparar sobreviventes de guerras e genocídios. Também faz palestras pelo mundo contando sua experiência e exaltando sua fé - que, segundo ela, a ajudou a superar os traumas que a tragédia marcou em sua vida. Esta semana, esteve no Brasil. Com uma imagem delicada e deslumbrante ao mesmo tempo - vestida de longo verde claro e levemente brilhante, unhas vermelhas, cabelos alisados e anéis em vários dedos -, entrou no Teatro Tuca de São Paulo, superlotado. Ouvia-se do público frase como: "Foi a fé dela que fez com que as coisas se transformassem para o bem". Ao falar sobre o genocídio, sua voz vacila, mas ela não cai no choro. Fica grande parte do tempo com um rosário na mão direita. "Nunca imaginei perdoar quem já tentou me matar, contou ela à reportagem do site de VEJA, com quem conversou logo após o evento. Confira a entrevista na íntegra aqui
FONTE VEJA

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